domingo, 12 de setembro de 2010

O Vigilante da BMV Azul e o Fim do Mundo


Eram vinte e três horas quando o Vigilante da ronda apareceu na guarita.
Conversavam animadamente sobre o fim do mundo. A expectativa era total, pois em menos de uma hora chegaria o tão polêmico ano dois mil e se os antigos estivessem certos, o mundo iria acabar: "Mil chegará, mas dois mil não passará"- muitos avôs e avós diziam por aí e que na década de oitenta era uma verdadeira profecia!
_Será que nossos revólveres dispararão sozinhos por causa do "bug" do milênio?
_Não sei – respondeu timidamente o outro Vigilante que nem sabia o que era isso _só sei, continuou ele, que eles já não disparam mais desde há muito antes desse tal "bug" do milênio, por causa da ferrugem e da munição velha e molhada. De qualquer maneira sei que, esse tal "bug" chegando ou não, a besta apocalíptica chegará e marcará a ferro de marcar vaca o numero 666 na cabeça, ombro, joelho e pé de cada um de nós!
_Bobagem! Primeiro que os Direitos Humanos não permitiria tal selvageria dessa besta, ainda que se chame assim. E depois, para que ser tão violenta? Isso é tortura! Sem falar que quando Apocalipse a descreveu era o ano de 96 AD. Agora imagina só o quanto essa besta não deve ter evoluído em mais de mil e novecentos anos? No mínimo ela usará anestesia e implantará "chips" na gente, marcando assim todos os seus. Sem falar que se fosse marcar a maneira antiga, de acordo com a profecia, marcaria a mão e a testa e não o corpo inteiro!
_E como será sua cara hein? – perguntou o curioso vigilante.
_Espero que menos assustadora que a cara de fuinha da Condolleza Rice.
_Rapaz, não tinha pensado nisso, a Condolleza é a estagiária da Casa Branca, daquele escândalo e...
_Ficou louco? A do escândalo é a Monica Lewinsky. Essa, a Condolleza Rice, que manda no homem mais poderoso da Terra!
_Deus?
_Que? Deus é o homem mais poderoso do céu!
_O Papa então?
_Companheiro, o homem mais poderoso é o Presidente Bush!
_Ah!...
E nessa conversa animada, perceberam que faltava cinco para a meia noite, e o céu, parecia mais claro agora que minutos atrás (seria por causa da chuva de fogo?) parecia fazer calor do dia naquela noite quase fria, noite que agora parecia escurecer sob suas cabeças num negro presságio.
A cada "tic" e "tac" o ponteiro dos minutos empurrava o ponteiro que marcava as horas mais para a direita, mostrando claramente que o tempo da terminação desse mundo se aproximava mais e mais.
Pensando assim, ambos utilizando-se do telefone da guarita, falaram com as esposas pela última vez. Os dois eram crentes, mas por via das dúvidas benzeram o corpo com o sinal da cruz e fizeram promessas desesperadas  a Aparecida. Abraçaram-se e fecharam os olhos, esperando o fim, o fogo, a besta, ou todos de uma vez!
Mas antes, em nome da dignidade, ajeitaram a gola da surrada camisa de uniforme, amarraram um nó por cima do laço do cadarço do coturno sem graxa, deram uma reboladinha para levantar a calça, apertaram a fivela do cinturão de couro e municiaram o trinta e oito velho e enferrujado com as velhas e molhadas balas que pareciam realmente 'chupadas'.
E dos aguardados, quem chegou primeiro? Para surpresa deles foi o Sô Zé!
O Sô Zé, velho funcionário da Instituição, morava na residência funcional, conhecida por 'colônia'.
Ele chegou com duas cervejas geladas, um pratinho com farofa e maionese e churrasco quentinho noutro prato, a fim de que os Vigilantes não ficassem com fome ou se sentissem sozinhos naquele Réveillon tão esperado por todos.
E apesar de estarem fora de casa, tiveram ao menos a alegria de fazer uma boquinha (principalmente porque Vigilante quando vê comida é igual Policial americano quando vê rosquinha!).
E o mais interessante de tudo foi que quando da verificação da autenticidade dessa historia, eles não se lembraram do ocorrido. Disseram com certa convicção que nada aconteceu e que essa historia é intriga da oposição.
Outro problema sem solução foram as garrafas encontradas dentro da guarita ao amanhecer. Eles teriam bebido a cerveja em serviço? A alegação deles sobre esse assunto e todo o resto, é que tiveram um sonho, muito real por sinal, sobre isso, mas..., nada mais que um sonho, reiterando que o que foi alem disso, não passava de intriga da oposição ou inveja de outros Vigilantes por serem tão dedicados no serviço e não perderem tempo com divagações, claro (...).
(2006)